Querida
Matilde,
Aqui
estou eu a escrever-te. São 7h10 da manhã e estou a caminho de Lesbos.
Fui
avisada de que é difícil fazer isto sozinha. É preciso falar com alguém sobre
aquilo que sentimos e vivemos. Assim, como vou sozinha, enquanto te escrevo, obrigo-me a repensar o meu dia e arrumar
-me nas gavetas certas! Decidi que quero fazer isto contigo
porque sei que estás sempre comigo. Alinhas?
Antes
de te contar como está a correr, quero dizer-te já, que sinto que esta viagem
não está nem foi preparada por mim. Foi tudo tão rápido, aconteceu tudo de uma
maneira mais ou menos seguida sempre nas alturas certas e as peças do puzzle começaram
a juntar-se. A ajuda veio de todos os lados, a generosidade é realmente uma
coisa boa e faz o mundo andar para a frente.
Ontem recebi uma mensagem que foi importante para que tudo fizesse sentido: nem queria
acreditar. Sabes que eu tenho a mania
que posso mudar o mundo. Sabes também que fui tão divertidamente gozada no
Carraças este ano, mas foi engraçado porque no final do campo já todos queriam
mudar o mundo (tios, animadores e miúdos)!! Mas bem, para além disto, sabes que eu tenho uma Santa que me
enche as medidas: a Santa Catarina de Sena, eu gosto tanto dela que tenho a
plena sensação que é minha amiga, falo dela com o mesmo amor que falo sobre as minhas
amigas mais próximas. E claro, sabes perfeitamente que a frase que ela disse é
tão dela como minha.
Um
dia, dei um presente a uma amiga que estava a precisar de um reencontro. Na
verdade foram vários mas um deles era uma caixa com frases, para que ela
tirasse quando quisesse. Ontem à noite recebo a seguinte mensagem “Esta foi a
frase que me calhou hoje quando fui à caixinha cor-de-rosa: “SE FORES AQUILO
QUE DEVES SER, PEGARÁS FOGO AO MUNDO INTEIRO (Santa Catarina de Sena)””. Olha o espetáculo… Isto descansou-me
porque não me canso desta frase!
Mas
olha, agora quero contar-te aquilo que estou a sentir neste momento para que
não te esqueças de como eu fui! Nem imaginas, estou tão cansada… Esta
preparação tem sido de loucos, estou num stress tão grande que tenho dormido muito pouco, o medo e os nervos estão a dar cabo de mim! Mas tenho as
pessoas certas ao meu lado…
Hoje
dormi uma hora, que dor de cabeça infernal… Mas não penso nisso, não consigo de
tão enjoada que estou!! Eu sei que pareço uma egocêntrica mas deixa-me
dizer-te, estou pânico, isto é difícil sabes? É uma coisa que quero muito fazer
mas tenho o coração tão apertado… Não te consigo descrever melhor que isto,
quando souber pôr em palavras, acredita, serás a primeira a aperceber-te que
afinal as coisas têm nome!
Mas
o mais importante é que, o meu coração pode estar apertado mas é um coração aberto!
Aberto para quem precisar: refugiados, voluntários já cansados e gregos antipáticos!
Mudar
o mundo é poder fazer diferente mas ainda assim fazer simples… Sei que vir para
um campo de refugiados não é nada de pequeno mas tenho consciência de que tudo
aquilo que vou fazer vai ser pequeno para a dimensão da situação. Acredito que
mudar o mundo é apenas olhar os pormenores e fazer valer-lhes a importância que
têm! Vou para aquilo que for e o que vier será aquilo que vou fazer!
A
partida aconteceu com um imprevisto que poderia ter sido muito chato mas porque
de facto isto está a acontecer como o planeado, posso dizer-te que o meu anjo da
guarda está a fazer-se valer... Estava a despedir-me da minha mãe, quando por meio de um abraço vieram
palavras queridas que, por serem da minha mãe e por me ter transformado em qualquer coisa de porcelana durante os últimos dias me deixaram nervosa e a chorar!
Fui logo
embora e deixei o casaco para trás. O casaco que tinha comprado ontem por ser
tudo aquilo que eu precisava para estar a trabalhar nos campos… Fui em frente e
não olhei para trás.
Não dei conta logo, continuei pelos corredores do aeroporto a chorar, quando percebo que o telefone está a tremer. No
mesmo segundo sei que não tenho o casaco comigo… Atendi, a minha mãe que estava
furiosa e dizer que isto já estava a começar PÉSSIMO! Fui a correr até aos
seguranças mas disseram-me que dali era impossível passar… Um senhora segurança,
a Madalena, percebeu que eu estava aflita e perguntou-me "o que posso fazer por ti?", contei-lhe, e ela imediatamente “como se
chama a tua mãe?”, “Marta”, “Não saias daqui, vou buscar o teu casaco”, a
Madalena voltou com o meu casaco e eu, feliz fui a correr para a porta de
embarque, tinha 4 minutos…
Fiquei
sentada ao lado de um casal tão antipático, tiveram que se levantar para eu me
sentar e ficaram chateados, eram alemães… A meio da viagem e porque pronto,
venho com boas intenções e arranjo logo inimigos, não pode ser! Atenta ao
pequeno-almoço vejo que eles comem manteiga com pão, o que só lhes deu para uma
metade! Comi o meu pão sem nada e ofereci-lhes a minha manteiga, oiço um “DANKE”,
pronto: não fomos amigos até o avião aterrar. No fim, mostram-se sinais de
compaixão “can I help you?” diz a metade
masculina do casal. No final fico irritada: a manteiga foi para o lixo!
São
11h e estou agora em Frankfurt, faço aqui a minha primeira escala.
Saio
do avião um bocado baralhada, e concentro-me: perdida e sozinha, agora é que
começa, DESENRASCA-TE MAT! Tenho a mochila às costas e parece que estou num
filme. Mesmo. Fico parada no meio de tanta gente mas só vejo chineses, só oiço
alemão, falo com quem? Ninguém! Pronto. Tirei o Bilhete para procurar a porta
de embarque mas estava frita, este aeroporto é gigante.
Mas
mais uma vez, o anjo da guarda atento: começo a ouvir falar português,
coooorrro para eles! “Olá olá, também sou portuguesa!”, “(gargalhadas) Eu não
disse?? Os portugueses são como o Espírito Santo, estão em todo o lado!”, rimos
todos juntos… E ali estávamos nós: um grupo de velhos numa excursão pela Europa, uma
animadora da Disney que trabalha nos cruzeiros a fazer ora de Minnie ora de Pocahontas e uma miúda que acha que pode mudar
o mundo, mas todos portugueses! Bem, lá nos ajudámos, e despedimo-nos
patrioticamente!
Embarquei
de novo e dormi o voo todo, só preciso de te dizer que me deram um chocolate
com o meu nome!! A mim e a todos os passageiros...
Ai
Mat… Acordei em Atenas e agora sim estou a desesperar. Aterrei há um bom bocado,
já me perdi e ainda são 18h50… O que vou fazer até amanhã aqui?
Este aeroporto é horrível! Estou a ficar
maldisposta e irritada: não tem fichas para ligar o computador, a internet tem regras parvas, as pessoas são antipáticas
(passaram-me 5 vezes à frente na fila para pedir um chá), a arquitetura é um
desespero (só se vês Portas de Embarque para cada lado que olhes... Mas só portas porque pessoas, nem vê-las!). Isto é tão grande que estou completamente sozinha
numa sala (há horas)…
A única coisa boa que te posso dizer, e isto vais gostar, é que aqui existe um McDonald´s
com aquilo que tu mais gostavas e já não existe em
Portugal: Tostas no Happy Meal!!! Pedi uma por ti!
Olha Mat, falamos depois, já são
23h45 e o meu voo é só amanhã às 6h, tenho de ir confirmar que não estou num
deserto mas num aeroporto, vou arranjar alguém que queira silabar comigo!
Um
beijinho grande,
Matilde
Querida Matilde,
ResponderEliminarUma homónima tua - a Matilde Campilho - poeta portuguesa com o Brasil a correr-lhe nas veias, uma vez numa entrevista ou num discurso, ou noutra coisa qualquer dessas, disse que a poesia pode não salvar o mundo, mas salva o minuto. É mais ou menos o que acontece quando fazemos coisas boas para outras pessoas. Se calhar não salvamos o mundo, mas salvamos certamente muitos minutos.
Deixo-te um beijo muito grande, sempre contigo.
Tia Xica
Querida Matilde,
ResponderEliminarUma homónima tua - a Matilde Campilho - poeta portuguesa com o Brasil a correr-lhe nas veias, uma vez numa entrevista ou num discurso, ou noutra coisa qualquer dessas, disse que a poesia pode não salvar o mundo, mas salva o minuto. É mais ou menos o que acontece quando fazemos coisas boas para outras pessoas. Se calhar não salvamos o mundo, mas salvamos certamente muitos minutos.
Deixo-te um beijo muito grande, sempre contigo.
Tia Xica
Ja estive 6x no aeroporto de Atenas, 2x no de Salonica, e tambem Rodes e Skyros... nunca ninguem passou a frente. Trataram-me, nos aeroportos e em todos os locais, com toda a civilidade; o restaurante fechado para um baptizado que ainda assim me serviu almoco, o ourives que falava de futebol, o senhor que estava numa das piscinas junto ao Estadio Olimpico de 1896 e que descobrimosque trabalhamos para a mesma empresa com uma distancia de 20 anos. O aperto de mao forte e franco. A dona do hotel que se despede com um beijinho... Acho estranho que seja tao altruista e faca um post deste tom, a chamar antipaticas a pessoas que nao conhece. Os gregos sao simpaticos, acolhedores e sem rodriguinhos, directos, talvez abruptos mas acolhedores. A proxima vez que passar pelo aeroporto de Atenas tente ser mais aberta. Tente perceber o "ethos" daquele povo.
ResponderEliminarOlá Matilde.
ResponderEliminarAprecio o programa "Olhos nos Olhos" o qual observo sempre que posso com muita atenção. Mas ontem foi diferente, especial. Não se discutiu economia nem finanças. O Doutor Medina Carreira trouxe uma menina bonita, com uma extraordinária experiência com refugiados, pessoas em dificuldades para sobreviver, com "histórias dramáticas". Admiro-te rapariga. Não haverá muitas pessoas como tu no mundo. Desejo-te as maiores felicidades. Eu sou financeiro, contabilista. No que poder ser útil, conta comigo.
Eu sofri de convulsões em criança, mas isso não me retirou a vontade de viver e vencer na vida, pelo contrário.
Um abraço.
Hélder Assis - http://www.armazem49.blogspot.pt/