sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A caminho da Grécia


Querida Matilde,

Aqui estou eu a escrever-te. São 7h10 da manhã e estou a caminho de Lesbos.

Fui avisada de que é difícil fazer isto sozinha. É preciso falar com alguém sobre aquilo que sentimos e vivemos. Assim, como vou sozinha, enquanto te escrevo, obrigo-me a repensar o meu dia e arrumar -me nas gavetas certas! Decidi que quero fazer isto contigo porque sei que estás sempre comigo. Alinhas?

Antes de te contar como está a correr, quero dizer-te já, que sinto que esta viagem não está nem foi preparada por mim. Foi tudo tão rápido, aconteceu tudo de uma maneira mais ou menos seguida sempre nas alturas certas e as peças do puzzle começaram a juntar-se. A ajuda veio de todos os lados, a generosidade é realmente uma coisa boa e faz o mundo andar para a frente.

Ontem recebi uma mensagem que foi importante para que tudo fizesse sentido: nem queria acreditar. Sabes que eu tenho a mania que posso mudar o mundo. Sabes também que fui tão divertidamente gozada no Carraças este ano, mas foi engraçado porque no final do campo já todos queriam mudar o mundo (tios, animadores e miúdos)!! Mas bem, para além disto, sabes que eu tenho uma Santa que me enche as medidas: a Santa Catarina de Sena, eu gosto tanto dela que tenho a plena sensação que é minha amiga, falo dela com o mesmo amor que falo sobre as minhas amigas mais próximas. E claro, sabes perfeitamente que a frase que ela disse é tão dela como minha.

Um dia, dei um presente a uma amiga que estava a precisar de um reencontro. Na verdade foram vários mas um deles era uma caixa com frases, para que ela tirasse quando quisesse. Ontem à noite recebo a seguinte mensagem “Esta foi a frase que me calhou hoje quando fui à caixinha cor-de-rosa: “SE FORES AQUILO QUE DEVES SER, PEGARÁS FOGO AO MUNDO INTEIRO (Santa Catarina de Sena)””. Olha o espetáculo… Isto descansou-me porque não me canso desta frase!

Mas olha, agora quero contar-te aquilo que estou a sentir neste momento para que não te esqueças de como eu fui! Nem imaginas, estou tão cansada… Esta preparação tem sido de loucos, estou num stress tão grande que tenho dormido muito pouco, o medo e os nervos estão a dar cabo de mim! Mas tenho as pessoas certas ao meu lado…

Hoje dormi uma hora, que dor de cabeça infernal… Mas não penso nisso, não consigo de tão enjoada que estou!! Eu sei que pareço uma egocêntrica mas deixa-me dizer-te, estou pânico, isto é difícil sabes? É uma coisa que quero muito fazer mas tenho o coração tão apertado… Não te consigo descrever melhor que isto, quando souber pôr em palavras, acredita, serás a primeira a aperceber-te que afinal as coisas têm nome!

Mas o mais importante é que, o meu coração pode estar apertado mas é um coração aberto! Aberto para quem precisar: refugiados, voluntários já cansados e gregos antipáticos!

Mudar o mundo é poder fazer diferente mas ainda assim fazer simples… Sei que vir para um campo de refugiados não é nada de pequeno mas tenho consciência de que tudo aquilo que vou fazer vai ser pequeno para a dimensão da situação. Acredito que mudar o mundo é apenas olhar os pormenores e fazer valer-lhes a importância que têm! Vou para aquilo que for e o que vier será aquilo que vou fazer!

A partida aconteceu com um imprevisto que poderia ter sido muito chato mas porque de facto isto está a acontecer como o planeado, posso dizer-te que o meu anjo da guarda está a fazer-se valer... Estava a despedir-me da minha mãe, quando por meio de um abraço vieram palavras queridas que, por serem da minha mãe e por me ter transformado em qualquer coisa de porcelana durante os últimos dias me deixaram nervosa e a chorar!
Fui logo embora e deixei o casaco para trás. O casaco que tinha comprado ontem por ser tudo aquilo que eu precisava para estar a trabalhar nos campos… Fui em frente e não olhei para trás.
Não dei conta logo, continuei pelos corredores do aeroporto a chorar, quando percebo que o telefone está a tremer. No mesmo segundo sei que não tenho o casaco comigo… Atendi, a minha mãe que estava furiosa e dizer que isto já estava a começar PÉSSIMO! Fui a correr até aos seguranças mas disseram-me que dali era impossível passar… Um senhora segurança, a Madalena, percebeu que eu estava aflita e perguntou-me "o que posso fazer por ti?", contei-lhe, e  ela imediatamente “como se chama a tua mãe?”, “Marta”, “Não saias daqui, vou buscar o teu casaco”, a Madalena voltou com o meu casaco e eu, feliz fui a correr para a porta de embarque, tinha 4 minutos…

Fiquei sentada ao lado de um casal tão antipático, tiveram que se levantar para eu me sentar e ficaram chateados, eram alemães… A meio da viagem e porque pronto, venho com boas intenções e arranjo logo inimigos, não pode ser! Atenta ao pequeno-almoço vejo que eles comem manteiga com pão, o que só lhes deu para uma metade! Comi o meu pão sem nada e ofereci-lhes a minha manteiga, oiço um “DANKE”, pronto: não fomos amigos até o avião aterrar. No fim, mostram-se sinais de compaixão “can I help you?” diz a  metade masculina do casal. No final fico irritada: a manteiga foi para o lixo!

São 11h e estou agora em Frankfurt, faço aqui a minha primeira escala.

Saio do avião um bocado baralhada, e concentro-me: perdida e sozinha, agora é que começa, DESENRASCA-TE MAT! Tenho a mochila às costas e parece que estou num filme. Mesmo. Fico parada no meio de tanta gente mas só vejo chineses, só oiço alemão, falo com quem? Ninguém! Pronto. Tirei o Bilhete para procurar a porta de embarque mas estava frita, este aeroporto é gigante.

Mas mais uma vez, o anjo da guarda atento: começo a ouvir falar português, coooorrro para eles! “Olá olá, também sou portuguesa!”, “(gargalhadas) Eu não disse?? Os portugueses são como o Espírito Santo, estão em todo o lado!”, rimos todos juntos… E ali estávamos nós: um grupo de velhos numa excursão pela Europa, uma animadora da Disney que trabalha nos cruzeiros a fazer ora de Minnie ora de Pocahontas e uma miúda que acha que pode mudar o mundo, mas todos portugueses! Bem, lá nos ajudámos, e despedimo-nos patrioticamente!

Embarquei de novo e dormi o voo todo, só preciso de te dizer que me deram um chocolate com o meu nome!! A mim e a todos os passageiros...

Ai Mat… Acordei em Atenas e agora sim estou a desesperar. Aterrei há um bom bocado, já me perdi e ainda são 18h50… O que vou fazer até amanhã aqui? 

Este aeroporto é horrível! Estou a ficar maldisposta e irritada: não tem fichas para ligar o computador, a internet tem  regras parvas, as pessoas são antipáticas (passaram-me 5 vezes à frente na fila para pedir um chá), a arquitetura é um desespero (só se vês Portas de Embarque para cada lado que olhes... Mas só portas porque pessoas, nem vê-las!). Isto é tão grande que estou completamente sozinha numa sala (há horas)…
A única coisa boa que te posso dizer, e isto vais gostar, é que aqui existe um McDonald´s com aquilo que tu mais gostavas e já não existe em Portugal: Tostas no Happy Meal!!! Pedi uma por ti!

Olha Mat, falamos depois, já são 23h45 e o meu voo é só amanhã às 6h, tenho de ir confirmar que não estou num deserto mas num aeroporto, vou arranjar alguém que queira silabar comigo!

Um beijinho grande,
Matilde


4 comentários:

  1. Querida Matilde,
    Uma homónima tua - a Matilde Campilho - poeta portuguesa com o Brasil a correr-lhe nas veias, uma vez numa entrevista ou num discurso, ou noutra coisa qualquer dessas, disse que a poesia pode não salvar o mundo, mas salva o minuto. É mais ou menos o que acontece quando fazemos coisas boas para outras pessoas. Se calhar não salvamos o mundo, mas salvamos certamente muitos minutos.
    Deixo-te um beijo muito grande, sempre contigo.
    Tia Xica

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  2. Querida Matilde,
    Uma homónima tua - a Matilde Campilho - poeta portuguesa com o Brasil a correr-lhe nas veias, uma vez numa entrevista ou num discurso, ou noutra coisa qualquer dessas, disse que a poesia pode não salvar o mundo, mas salva o minuto. É mais ou menos o que acontece quando fazemos coisas boas para outras pessoas. Se calhar não salvamos o mundo, mas salvamos certamente muitos minutos.
    Deixo-te um beijo muito grande, sempre contigo.
    Tia Xica

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  3. Ja estive 6x no aeroporto de Atenas, 2x no de Salonica, e tambem Rodes e Skyros... nunca ninguem passou a frente. Trataram-me, nos aeroportos e em todos os locais, com toda a civilidade; o restaurante fechado para um baptizado que ainda assim me serviu almoco, o ourives que falava de futebol, o senhor que estava numa das piscinas junto ao Estadio Olimpico de 1896 e que descobrimosque trabalhamos para a mesma empresa com uma distancia de 20 anos. O aperto de mao forte e franco. A dona do hotel que se despede com um beijinho... Acho estranho que seja tao altruista e faca um post deste tom, a chamar antipaticas a pessoas que nao conhece. Os gregos sao simpaticos, acolhedores e sem rodriguinhos, directos, talvez abruptos mas acolhedores. A proxima vez que passar pelo aeroporto de Atenas tente ser mais aberta. Tente perceber o "ethos" daquele povo.

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  4. Olá Matilde.
    Aprecio o programa "Olhos nos Olhos" o qual observo sempre que posso com muita atenção. Mas ontem foi diferente, especial. Não se discutiu economia nem finanças. O Doutor Medina Carreira trouxe uma menina bonita, com uma extraordinária experiência com refugiados, pessoas em dificuldades para sobreviver, com "histórias dramáticas". Admiro-te rapariga. Não haverá muitas pessoas como tu no mundo. Desejo-te as maiores felicidades. Eu sou financeiro, contabilista. No que poder ser útil, conta comigo.
    Eu sofri de convulsões em criança, mas isso não me retirou a vontade de viver e vencer na vida, pelo contrário.
    Um abraço.
    Hélder Assis - http://www.armazem49.blogspot.pt/

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